“’Você não está verdadeiramente frito enquanto tiver de reserva uma boa história e alguém para quem contá-la.’”
Dentre as grandes surpresas que tive ao iniciar meu desbravamento pela literatura italiana, encontra-se o escritor Alessandro Baricco.
Meu primeiro contato com ele foi com o livro Sem sangue, que, apesar de curto, é uma baita “porrada” no leitor (no melhor sentido da expressão!). Gostei tanto da experiência que logo emendei a leitura de Seda, que a meu ver é a obra mais conhecida do autor no Brasil.
A primeira coisa que me chamou a atenção na escrita de Baricco é a forma poética e sensível com a qual constrói as suas obras. Mesmo ao abordar temas difíceis, como faz em Sem sangue, o autor demonstra uma habilidade em prender o autor pelas sensações, pelos sentimentos e, quando menos percebemos, sentimos o golpe de suas palavras.
Após meu encanto inicial, me embrenhei na busca por seus outros títulos. Contudo, apesar de possuir uma extensa bibliografia, muitos dos livros do autor estão fora de catálogo nas editoras brasileiras e eu tive que fazer um verdadeiro trabalho de investigação para encontrar alguns exemplares em bom estado na Estante Virtual. Novecentos é um desses achados e logo se revelou como um pequeno notável.
Logo na primeira página, o escritor já nos sinaliza que esta obra, definida como “um monólogo”, foi pesada justamente para ser lida em voz alta e interpretada. E, quando iniciamos a leitura, sentimos que essa forma narrativa realmente nos estimula a fazê-lo.
Com apenas 72 páginas, Novecentos é quase uma fábula. O narrador é um músico que, ao embarcar em um navio para integrar a banda que se apresenta para os viajantes, conhece o mítico Danny Boodmann T. D. Lemon Novecentos, um rapaz que nasceu e passou a vida a bordo da embarcação.
Abandonado ao nascer, Novecentos foi adotado pelo maquinista do Virginian e foi criado pela tripulação do navio. Desde cedo o garoto provou ser um pianista excepcional e seus feitos no piano se tornaram conhecidos intencionalmente. Porém, o que mais chama a atenção de todos é o fato de que, em toda a sua vida, o rapaz nunca pisou em terra firme – e nem deseja fazê-lo.
“O mundo, talvez, nunca o tenha visto. Mas eram 27 anos que o mundo passava, em cima daquele navio. E eram 27 anos que ele, a bordo daquele navio, o espiava. E lhe roubava a alma.”
Narrado de forma deliciosa, Novecentos é um daqueles livros simples, diretos, mas que dizem muito mais nas entrelinhas do que no texto formal. Ele está repleto de metáforas e alegorias, que transformam cada linha em um universo a ser explorado – muito maior daquele conhecido pelo personagem do título. Acredito que este seja um daqueles livros que despertará uma experiência diferente em cada leitor e em cada releitura e faz parte do rol de clássicos que Calvino define como aqueles que “nunca esgotam o que têm a dizer”.
Novecentos é uma história de dedicação, de amizade, do medo do desconhecido, de depressão, do poder transformador da música e da coragem de encarar os desafios que a vida nos apresenta.
Sem dúvida este é um daqueles livros que não nos abandonam após a leitura e que merecem encantar a todos!
Ficha Técnica:
Título: Novecentos
Autor: Alessandro Baricco
Editora: Rocco
Páginas: 72
País: Itália
Avaliação: 5/5 estrelas