“(…) a filosofia parece só tratar da verdade, mas talvez só diga fantasias, e a literatura parece só tratar de fantasias, mas talvez diga a verdade.”
Há anos que acompanho as publicações da TAG Livros, mas nunca havia sentido o ímpeto de assinar o clube, pois sabia que seria apenas mais uma forma de acumular livros não livros na estante – o que eu já tenho de sobra (quem nunca?).
Porém, um de seus títulos sempre me chamava a atenção – seja por sua edição lindíssima, cuja capa simula um mosaico de azulejos portugueses, seja pelos diversos elogios à obra com os quais me deparei em outros perfis literários: Afirma Pereira, do autor italiano Antonio Tabucchi.
Em meio a meu “afã” por desbravar novos autores italianos, resolvi assinar a TAG por um curto período, com o intuito de finalmente adquirir um exemplar dessa obra e… Valeu a pena!
O primeiro ponto que chama a atenção do leitor em Afirma Pereira é a sua estrutura narrativa. A obra é narrada como se fosse um longo depoimento, realizado pelo “Pereira” do título, e essa ideia é reforçada durante todo o texto com expressões como “afirma Pereira”, “Pereira diz não se lembrar”, “Pereira não sabe, afirma”. Seguindo essa estrutura, os diálogos também ocorrem de forma indireta, no meio do texto, mas suas colocações soam tão naturais que o leitor não se perde nem um pouco em seu contexto.
O segundo elemento que torna esse livro ainda mais interessante é o pano de fundo histórico: os acontecimentos se situam na iminência da Segunda Guerra Mundial, em plena ascensão de regimes totalitaristas na Europa. Afirma Pereira é situado em Lisboa, onde o salazarismo está em amplo crescimento – e suas censuras e repressões ficam evidentes ao longo do livro todo.
Pereira, um pacato editor do caderno de cultura de um pequeno jornal, é um homem simples, que tenta com afinco se manter longe das intrigas políticas de seu tempo. Contudo, ele se vê praticamente arrastado para o conflito ao contratar um jovem idealista, Monteiro Rossi, como estagiário de seu jornal. A sua intenção era que o rapaz o auxiliasse a escrever obituários de grandes figuras literárias, para que já estivessem prontos na ocasião da morte desses personagens. Mas aos poucos essa parceria acaba fazendo com que Pereira tenha que deixar a sua neutralidade de lado, o que transforma a sua vida completamente.
“(…) o país se calava, não podia fazer outra coisa senão calar, e enquanto isso as pessoas morriam e a polícia mandava e desmandava. Pereira começou a suar, porque pensou novamente na morte. E pensou: esta cidade fede a morte, a Europa toda fede a morte.”
Afirma Pereira é um livro envolvente, encantador e… doce – por mais que seja estranho utilizar esse adjetivo em uma obra com elementos tão duros e chocantes como o fascismo. Contudo, o que traz doçura à narrativa é justamente o olhar cálido de Pereira, um personagem cativante, que prefere abrir mão de sua tranquilidade e segurança para fazer aquilo que ele considera ser certo e justo.
Encerrei a leitura dessa obra completamente arrebatada pela escrita de Tabucchi e com muita vontade de ler outros títulos do autor (o que não é uma tarefa tão simples, pois a maior parte de seus livros que foram publicados aqui no Brasil saíam pela finada Cosac Naify e encontram-se esgotados… Mas quem sabe não consiga fazê-lo em italiano? Magari!).
Fica a recomendação fortíssima para que vocês leiam essa obra!
Ficha Técnica:
Título: Afirma Pereira
Autor: Antonio Tabucchi
Editora: Estação Liberdade (TAG Livros)
Páginas: 158
País: Itália
Avaliação: 5/5 estrelas