Post do arquivo do Café com Blá Blá Blá*
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Em 2018 nós perdemos todos os posts antigos e, aos poucos, estamos subindo o conteúdo antigo para que todos tenham acesso.
Uma das minhas principais metas como leitora para 2015 foi a de ler mais clássicos.
Não era a primeira vez que eu me fazia esta proposição, mas sem dúvida 2015 foi o ano em que eu li mais obras desse gênero.
Isso acarretou em duas coisas: a primeira que eu lesse menos exemplares ao longo do ano (afinal fui apostar logo nos clássicos mais “gordinhos” da estante e que, por consequência, demandam um tempo maior de dedicação). A segunda é que eu passei a sentir falta deles, caso não estivesse com a leitura de nenhum clássico em andamento.
Foi assim que cheguei até Shirley, da Charlotte Brontë.
Em 2014 tive o meu primeiro contato com a escrita da Charlotte, após ler (e amar!!!) Jane Eyre. Depois disso, adquiri outras obras da autora, com o intuito de ler sem demora. Ali na estante elas ficaram até que, em um fim de semana chuvoso, uma comichãozinha por romances vitorianos me levasse até eles. E Shirley foi a minha escolha (um pouco ousada, devo dizer, pois já estávamos avançados em dezembro e eu tinha várias leituras para finalizar antes que o ano terminasse).
“If you think, from this prelude, that anything like a romance is preparing for you, reader, you never were more mistaken. Do you anticipate sentiment, and poetry, and reverie? Do you expect passion, and stimulus, and melodrama? Calm your expectations; reduce them to a lowly standard. Something real, cool, and solid lies before you;”
É com esse “aviso”, que nos alerta a não esperar grandes paixões e sentimentalismos, que Charlotte Brontë inicia a sua narrativa. Aliás, essa interação direta com o leitor e esse tom onipresente é uma característica que se fará presente ao longo de todo o livro – inclusive “antecipando” acontecimentos futuros que terão um grande impacto no desenrolar dos fatos.
E a autora não poupa ninguém. Logo no começo, Charlotte deixa claro, com todas as letras, que todos os seus personagens são descritos com suas qualidades e falhas e que ela se recusaria a descrevê-los como modelos de perfeição. Portanto, não é raro, ao longo da narrativa, nos encantarmos e nos irritarmos com eles na mesma medida. Perdi a conta de quantas vezes quis sacudir Caroline, chacoalhar Robert e revirei os olhos para alguns comentários de Shirley… Mas acredito que é aí que entra a brilhante capacidade da autora em construir personagens reais e tridimensionais.
A história se passa em meio à guerra napoleônica, em uma cidade rural na Inglaterra. Com a exceção da agricultura e pecuária, são poucas as possibilidades de emprego no local. Uma das principais fontes de renda dos moradores da região advém de Hollow’s Mill, a fábrica de Robert Moore. Porém, justamente em decorrência da guerra, os negócios vão de mal a pior. O empresário resolve então apostar na compra de maquinários que aumentarão a produção para assim ter maior competitividade no mercado, mas isso faz com que muitos funcionários acabem perdendo o emprego. Isso acarreta em um verdadeiro levante organizado por alguns rapazes da região, que acabam até mesmo ameaçando Moore de morte.
Além desse embate entre os trabalhadores e seus senhores, Brontë também vai tocar bastante no ponto da diferença entre as classes sociais e nos impedimentos que elas trazem à felicidade dos personagens. Esse tom de crítica se faz presente ao longo de todo o livro e traz aflição não só aos protagonistas, mas também aos leitores.
Confesso que o livro me lembrou vagamente de Norte e Sul, da Elizabeth Gaskell, justamente por trazer um “plus” a mais ao nos inserir não só na vida e relacionamentos dos personagens, mas também nos fazer refletir sobre o panorama político da época.
“Love is real – the most real, the most lasting, the sweetest and yet the bitterest thing we know”.
É claro que o romance também se faz presente. Contrariando o alerta do começo do livro, em alguns momentos temos sim um certo drama, corações partidos e mocinhas que chegam à beira de morrer de amor (literalmente). A autora nos leva por altos e baixos e até a reta final quase não temos a certeza de um desfecho feliz.
Charlotte também faz duras críticas ao casamento – principalmente àqueles que se baseiam apenas nas convenções ou nos interesses. Ela desfia um mar de histórias trágicas e alguns personagens chegam até a fazer uma apologia contra o matrimônio.
“Affection, like love, will be unjust now and then”.
Em meio a tudo isso, temos a personalidade cativante de Shirley. Independente e com um temperamento forte, a moça chega até mesmo a se referir como homem em alguns momentos. Se a situação começa a apertar, o Capitão Keeldar (como ela se refere a si mesma) deixa as delicadezas de lado e arregaça as mangas para ajudar. Uma curiosidade é que, na época, Shirley era um nome mais comum entre os homens e só passou a se popularizar entre as mulheres depois.
O resultado de tudo isso é que encontrei em Shirley um romance repleto de humor e questões sociais, delicioso de ler! Mal posso esperar para conferir mais um pouquinho da obra daquela que está se tornando a minha Brontë favorita (ainda não conheço os livros da Anne, mas passo longe da Emily. Já sofri o suficiente com O Morro dos Ventos Uivantes).
Ficha Técnica:
Livro: Shirley
Autor: Charlotte Brontë
Editora: Harper Collins
Páginas: 706 páginas
País: Inglaterra
Nota: 4/5 estrelas