Entre páginas – Hester

“Este mundo é um lugar muito estranho. Certo e errado é como preto e branco, é difícil e fácil. O que nos confunde são aqueles ‘talvez’ que, embora não estejam certos, certamente não estão errados.”

Enquanto uma parte dos leitores tira o mês de outubro para focar as suas leituras em obras de horror e de suspense, em homenagem ao Halloween, outros (como eu) preferem se dedicar às obras vitorianas, para acompanhar o Victober.

O Victober é uma iniciativa de duas (excelentes) booktubers gringas (Katie Lumsden, do Books and Things, e Kate Howe) e se trata basicamente de uma “maratona literária” voltadas aos livros vitorianos – ou seja, aqueles escritos durante o reinado da Rainha Vitória, da Inglaterra, que se deu de 1837 a 1901.

E dentre a gama de autores que escreviam nessa época, temos alguns dos meus queridinhos: Charles Dickens, Thomas Hardy, Wilke Collins, Elizabeth Gaskell e Charlotte Brontë, além de outros autores renomados, como Oscar Wilde, Anthony Trollope, George Eliot, Mary Shelley, Anne e Emily Brontë, Arthur Conan Doyle, Lewis Carroll e até mesmo Virginia Woolf.

Em meio a esses “pesos pesados” da literatura, temos também a escocesa Margaret Oliphant, de quem sempre ouvi falar muito bem. Depois de receber o meu exemplar de uma de suas obras mais célebres, Hester, pelo Clube de Leitores da editora Pedrazul, decidi incluí-lo entre as minhas leituras deste mês. E adorei a experiência!

A obra gira em torno de uma família muito influente em sua pequena cidade do interior da Inglaterra: os Vernons. Donos de um grande banco (“uma instituição tão segura quanto o Banco da Inglaterra”), suas vidas sempre estiveram entrelaçadas aos negócios e diversas de suas gerações se revezaram no comando da empresa.

Contudo, depois de escolhas imprudentes no mercado de ações, o atual diretor, John Vernon, quase põe tudo a perder e foge na calada da noite, abandonando o banco à ruína certeira. Para tentar reverter a situação, Mr. Rule, o fiel secretário da instituição, recorre a outra herdeira da família, Catherine, que acaba conseguindo impedir uma “corrida ao banco”. A partir de então, ela assume os negócios e faz a organização prosperar.

“Os Vernons são grandes ou pequenos de acordo com a conexão com o banco.”

Os anos passam e Catherine decide se aposentar, deixando o comando do Banco Vernon a dois primos distantes: o responsável, mas pouco proativo Harry, e Edward, impetuoso e visionário. Os dois aparentemente se dão bem e conseguem manter a prosperidade conquistada pela prima nas décadas anteriores… Mas tudo pode mudar com o surgimento de duas paixões: Hester, a filha do malfadado John Vernon, que retorna à cidade para morar com a mãe em uma espécie de “pensão” de Catherine; e a possibilidade de dinheiro fácil por meio da especulação na Bolsa.

“Um homem pode perder a cabeça no amor ou na guerra, na aventura ou no prazer, mas ele não deve perdê-la na Bolsa de Valores.”

Após a morte de seu pai, Hester e sua mãe se veem sem nenhum tostão e resolvem aceitar o convite de Catherine para habitar um dos apartamentos da Vernonry, uma casa próxima à da matriarca, que abriga uma série de parentes distantes que não têm para onde ir. Mas, apesar de oferecer o abrigo por generosidade, Catherine também se vale desse microcosmos como uma espécie de teatro de fantoches e ri às custas dos ingratos moradores que, ao mesmo tempo em que são agradecidos, vivem criticando sua benfeitora com línguas mordazes. Mesmo sem fazer parte dessa massa crítica e sarcástica, Hester não pode deixar de sentir uma extrema antipatia em relação à Catherine e a animosidade entre as duas se estabelece desde o início.

“A natureza humana é tão boa quanto a melhor peça de teatro cômica e quão fácil de ver.”

Só por essa introdução, já dá para ver por que Hester é uma obra tão interessante. O primeiro ponto que me chamou a atenção foi o de que no centro da narrativa temos uma matriarca forte e decidida que conseguiu vencer nos negócios, algo inesperado em uma época em que apenas os homens comandavam a economia do país. Com sua garra e sabedoria, Catherine se sobressaiu não só na instituição, mas na sociedade local, tornando-se a principal referência daquele lugar (não me surpreenderia se ela fosse mais influente que o prefeito, por exemplo). Contudo, por diversas vezes a autora credita essa habilidade intelectual de Catherine à sua “mente masculina” e como ela é admirada porque “pensa e age como um homem”, o que não deixa de ser uma bela alfinetada nos leitores da época que acreditavam que só assim uma mulher poderia ser bem-sucedida em sua posição.

Outra questão de destaque é a própria animosidade entre a velha senhora e a jovem que dá nome ao livro. Em teoria, Hester não teria tantos motivos para se opor tão ferrenhamente a Catherine… a não ser o fato de que, em sua natureza, as suas são iguais. Hester não deseja nada além da possibilidade de viver com seus próprios meios e sonha em dar aulas de idiomas para os moradores da região. Porém, seu sonho é boicotado diversas vezes, principalmente por sua mãe, que não pode “permitir” que sua filha trabalhe – algo que não era bem-visto em uma donzela da nobreza. Esse embate representa também o conflito de gerações: os mais velhos veem os jovens como despreparados e impetuosos e estes veem os seus antecessores como ultrapassados e rígidos demais. Mas o que ambos os lados não percebem é que os extremos nunca são a melhor saída…

“A natureza humana é tão boa quanto a melhor peça de teatro cômica e quão fácil de ver.”

Por fim temos a grande questão do dinheiro. A sua influência sobre os personagens é inegável, afinal tudo gira em torno de um banco, não é mesmo? Mas a grande crítica da autora é voltada para aqueles que desejam o dinheiro “fácil”, obtido principalmente por meio das especulações no mercado de valores, algo que costumava levar muitas famílias à ruína naquela (e em outras) época.

“Extravagância é ruim, mas a especulação é a ruína. No primeiro caso, você pode ter que comprar muitos de seus prazeres, mas no outro não há prazer, nada além da destruição e da miséria.”

Com uma escrita extremamente fluida e agradável, Hester é, sem dúvida, uma obra vitoriana imperdível. Fica aqui a minha recomendação para que vocês conheçam a escrita de Margaret Oliphant!

 

Ficha Técnica:

Título: Hester

Autora: Margaret Oliphant

Editora: Pedrazul

Páginas: 416

País: Escócia

Avaliação: 4/5 estrelas

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