Clube de Leitura do Café – Dias de abandono

Não é a primeira vez que as três meninas do Café se aventuram em uma leitura conjunta, mas depois de muito tempo – e algumas tentativas frustradas – resolvemos tentar novamente com esse desafio.

A ideia de voltar a ler juntas e comentarmos nossas impressões em grupo surgiu em uma das inúmeras vezes que saímos para papear. Desta vez, no meio da Livraria Cultura e com milhares de livros à nossa volta, resolvemos embarcar nesse desafio novamente e, como uma espécie de Clube do Livro, voltarmos nossas discussões para um título escolhido a dedo todo mês.

Para não limitarmos nosso desafio a um livro grandioso, que levaríamos meses para ler (algo que já fizemos apenas com Guerra e Paz), resolvemos começar com algo mais simples, que facilmente poderíamos ler em um mês sem impactar nosso dia a dia – e, ao mesmo tempo, mergulhar em um tema instigante e fora do nosso tipo de leitura habitual.

Entre as milhares de opções que selecionamos e descartamos (mas deixamos devidamente anotadas para um futuro não muito distante), decidimos pelo livro Dias de abandono, da autora Elena Ferrante.

A primeira sugestão era lermos a Tetralogia Napolitana, mas pelo tamanho e por ser uma série, achamos melhor buscar algo com baixas expectativas. O livro é pequeno e estava parado na estante da Sabrina (esse também era um outro requisito das leituras, uma vez que a Sabrina estava tentando não comprar livros naquele momento spoiler: a quarentena fez ela furar bonito essa proposição). Antes de saber que estaríamos de quarentena em breve, havíamos marcado a data de discussão para o fim de março (de 2020 – Oh no, oh no, oh no no no no no). No fim, acabamos substituindo a reunião física por um hangout.

Elena Ferrante é uma escritora contemporânea italiana rodeada de mistérios e muitas especulações. Pouco se sabe da sua vida e há quem acredite que se trata até de um homem por trás do pseudônimo… Também já cogitou-se que ela seria uma tradutora renomada, esposa de outro escritor, Domenico Starnone. Mas até a presente data nada foi confirmado de fato a respeito de sua identidade.

Sinopse 

A escritora escondida pelo misterioso pseudônimo utiliza suas palavras cortantes e sua clareza brutal para percorrer o turbilhão emocional vivido por Olga após um casamento fracassado. Traída e se sentindo abandonada pelo marido, a personagem enfrenta conflitos internos em meio à nuvem cinzenta da desolação e da nova e inquietante realidade que se apresenta. Moradores de um apartamento em Turim, para onde Olga se mudou por conta da carreira profissional do marido, com dois filhos e um cachorro, Mario e Olga viveram uma relação de 15 anos com os altos e baixos de um casamento normal. Sem abalos que evidenciassem um término repentino, Olga ouve o discurso de seu marido anunciando que ele a deixaria naquele momento. As páginas seguintes vão desnudando cenas críticas do passado do casal, repassadas até a exaustão pela protagonista e misturadas à urgência do seu cotidiano completamente destruído. Em Dias de abandono, Ferrante escancara a dor da rejeição moldada pelos sentimentos e particularidades de uma mulher. Em um corajoso e às vezes violento mergulho existencial, Olga vai aos poucos substituindo um atormentado desejo de redenção por algo ainda desconhecido. Antes presa a um personagem construído pela sociedade e por suas próprias expectativas, ela se dá conta de que amou mais justamente quando se sentiu “enganada, humilhada e abandonada”. A raiva pela justificativa mentirosa do marido ao tê-la deixado, que antes parecia acender a urgência do amor, agora o esvazia. No espaço entre esses dois pólos distintos, sem amor, dentro do nada, resta a ela saber se novos sentidos podem tomar formas na urgência da vida.

Vamos então às nossas opiniões sobre o livro:

Thaís

Eu não sou uma pessoa eclética com leituras – a maior parte do meu tempo é permeado por romances, alguns livros de fantasia e outros de negócios. Por isso, ler Dias de abandono me tirou da zona de conforto de leituras, trazendo um tema sobre o qual pouco tive a oportunidade de ler: a separação conjugal.

Não vou dizer que nunca tinha escutado nada sobre Elena Ferrante: eu tenho uma cópia de A amiga genial há pelo menos dois anos sem ler. Mas começar por este livro foi um acerto. Ao mesmo tempo que comecei a leitura com pouca expectativa, a obra também foi uma forma de me acostumar com a escrita da famosa autora italiana.

O livro é todo centrado na personagem Olga, que se vê perdida após o divórcio do marido. A história é em primeira pessoa e entramos literalmente na cabeça confusa da personagem principal, que se vê à deriva após anos de casamento.

Não posso afirmar que foi uma leitura fácil – não me entenda mal, a escrita é excelente, mas foi justamente entrar na cabeça bagunçada e extenuante de Olga o que mais me cansou no livro. Eu sei que essa foi justamente a provocação da autora, pois na primeira metade do livro sentimos e vivenciamos de perto o limite ao qual a personagem principal chegou.

Para demostrar isso, Elena, de forma maestral, utiliza-se à exaustão de analogias e idas e vindas nos pensamentos de Olga, o que deixa o leitor também no limite. Esse não é um tipo de escrita que me agrada, pois essas idas e vindas em pensamentos, aliados ao excesso de frases de efeitos no mesmo contexto, junto com o detalhamento exagerado da confusão da personagem em frases extremamente longas, por vezes me deixava perdida na leitura.

Por vezes eu procurava um limite nessas idas e vindas, além de tentar voltar a um pensamento e história linear – algo que não ocorre na história, mas isto está certo: Olga, como vemos numas das melhores cenas do livro, não tem pensamentos lineares. Ela divaga, quase beirando a insanidade.

Estar dentro da cabeça da personagem principal é uma das principais provocações da autora. A leitura não nos faz gostar dela: nos faz entender o que ela passa e como ela passa por essa fase de “abandono”. O livro é a desconstrução e construção da personagem, para que enfim ela supere esse caminho.

Nota: 3,5

Sabrina

Já faz tempo que venho flertando com a leitura dos livros da Elena Ferrante, mas sem sucesso. Há algum tempo atrás, em um daqueles episódios da vida de um leitor que ninguém entende, eu iniciei a leitura de A amiga genial, para parar antes da página 50 – não por não estar gostando, mas porque alguma outra leitura acabou me “roubando” da história de Lenu e Lila.

A nossa “relação” foi retomada por acaso, quando em uma de nossas andanças pela livraria (#saudades), decidimos eleger Dias de abandono como a primeira leitura do nosso Clube de Leitura do Café. Mal sabíamos que nosso encontro, que seria mais um ótimo motivo para nos reunirmos com bons comes e bebes teria que ser transferido para uma sala do Google Meets, por causa da quarentena…

E a bem da verdade é que, no fim, a leitura acabou casando perfeitamente com o período que estávamos estamos vivendo, uma vez que sua narrativa é um tanto claustrofóbica e desconfortável (e se passa em sua maior parte dentro de um único apartamento).

Em suas páginas acompanhamos a história de uma mulher que perde literalmente o chão quando seu marido decide abandoná-la com os dois filhos pequenos. Olga se vê então mergulhando em um abismo de desespero, em que nada mais é o que parecia ser – e leva o leitor junto com ela, a ponto de ficarmos tão paranoicos como a personagem.

Durante grande parte da leitura antipatizei completamente com a personagem e com sua ideia fixa em relação a Mario – o que a levou a negligenciar os próprios filhos. Contudo, foi comovente acompanhá-la na loucura do fundo do poço e desejar que ela enfim pudesse ter um final feliz.

A leitura de Dias de abandono foi desgastante, visceral, dolorosa, mas extremamente válida! É um livro que desperta muitos sentimentos e que nos deixa com muita vontade de ler mais alguma coisa da autora!

Nota: 4/5

Fanny

Elena Ferrante nunca esteve na minha lista de prioridades e ela continua fora dessa lista. 

Isso sendo dito, a minha experiência com Dias de abandono foi estranha. Eu comecei achando a protagonista chata e não conseguia me envolver ou me interessar por Olga. Até que, depois dos 30% do livro, percebi que a minha restrição com ela é que estava criticando a forma como ela estava se comportando com a situação de divórcio e separação, sendo que eu nunca havia passado por essa situação. 

Com um sinal de alerta ligado, eu terminei de ler o livro de uma vez, agora muito mais interessada em ler sobre os devaneios da personagem e passei a torcei para que ela pudesse colocar a vida em ordem. 

Bem no comecinho do livro, antes que tudo desabasse, Olga explica como era a sua vida, como havia sido a sua criação e ao longo da maior parte da história percebemos o quanto as atitudes dela estavam longe do que ela visualizava como o ideal. Depois que superei a minha irritação, me bateu a sensação de que vivemos isso quase todos os dias.  Afinal, sempre há uma pessoa que idealizamos e sobre quem temos o pensamento de que “se ela tem uma vida melhor é porque é melhor, mais evoluída” e não percebemos que as nossas atitudes diárias vão, na maioria das vezes, contra essa perspectiva.  

Com isso, terminei Dias de abandono dando cinco estrelas para o livro, me interessando pelos próximos trabalhos de Elena Ferrante, e um pouco mais ciente do peso que as atitudes dos protagonistas tem a ver com a vida real. 

Nota: 5/5 Estrelas

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