Post do arquivo do Café com Blá Blá Blá*
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Em 2018 nós perdemos todos os posts antigos e, aos poucos, estamos subindo o conteúdo antigo para que todos tenham acesso.
Um dos desafios literários aos quais me propus neste ano era o de ler mais clássicos. Porém, agora em outubro dei uma olhada na minha lista de leituras e constatei que havia negligenciado o gênero ao longo do ano (e não foi por falta de vontade de lê-lo!).
Pensando nisso, resolvi tirar o pó (literalmente) de um volume que vinha me encarando há um tempão da prateleira: Jane Eyre, da Charlotte Brontë.
Ao contrário de 87,9%* da população mundial, não fazia ideia sobre o que versava o livro. Mas temia que fosse algo parecido com a obra da irmã da autora (O Morro dos Ventos Uivantes, da Emily Brontë, do qual não gosto nem um pouco). E não é que me dei melhor com a Charlotte?
Antes de começar a falar do livro propriamente dito, cabe um adendo. A edição que tinha na prateleira era o da Editora Itatiaia, publicado em 2008 (aquele da capa feiosa). Porém, logo no início da leitura percebi que a tradução estava me incomodando muito. Além de usar termos excessivamente rebuscados, e ultrapassados a obra pecava em alguns detalhes como traduzir “lareira” como “fogão”, etc. Resolvi então correr para a livraria mais próxima e buscar uma edição com a qual eu me desse melhor. Depois de comparar algumas que encontrei, optei pela edição pocket da Best Bolso (Grupo Record) e foi na qual prossegui com a leitura (claro que uma opção era ler no original, mas já tinha virado uma questão de honra).
Como muitos dos livros escritos pelas bandas dos anos 1800, Jane Eyre se inicia com a protagonista narrando a sua infância na casa da Sra. Reed, uma tia distante que ficou incumbida da criação da menina após a morte de seus pais. Dura e fria, a senhora relegava a menina a um nível igual ou abaixo dos empregados e deixava bastante claro o “fardo” que era tê-la ali.
Depois de um episódio traumático na vida da garota, a tia a despacha para um colégio interno, onde ela sofreu mais algumas negligências e maus tratos. Porém, depois de uma reviravolta do destino, a qualidade da escola acaba melhorando, assim como a educação e o caráter da menina.
Confesso que na maioria das vezes considero esses inícios um tanto quanto monótonos e arrastados – um mero preâmbulo para chegarmos à história “de fato”. Mas este não foi o caso, pelo contrário. Acredito que esse começo é fundamental para compreendermos melhor as bases e princípios da personagem, seus temores e até preconceitos, os quais ela irá carregar para a idade adulta – e irá influenciar bastante nas suas atitudes e decisões futuras.
Muito disso se reflete na forma com a qual Jane resolve, por fim, dar vasão à sua vontade de expandir seu universo e se candidatar à vaga de preceptora em uma mansão que fica a uma distância considerável do minúsculo vilarejo que até então era tudo o que ela conhecia. À primeira vista, Thornfield Hall é tudo aquilo que ela desejara: uma casa boa, habitada por pessoas de bom coração.
Essa descrição se estende também ao dono do local. À primeira vista, o Sr. Rochester parece ser um homem duro e grosseiro. Porém, aos poucos a protagonista vai desvendando outras facetas de sua personalidade, amplificadas através de diálogos afiados e discussões acaloradas.
Uma coisa que me surpreendeu bastante durante a leitura (já que não conhecia absolutamente nada da história) é a forma como a narrativa da Charlotte soa avançada para o seu tempo. A sua escrita afiada toca em assuntos e descreve cenas que poderiam estar facilmente presentes em obras deste século. Inclusive, o ímpeto e a paixão presentes nos personagens vai muito além das narrativas açucaradas de Jane Austen. São mais acaloradas, ousadas e excitantes. (Mas vale lembrar que a Srta. Austen ainda possui meu amor eterno)
Um fator digno de nota é o destaque que a autora dá para o poder do discurso e a influência que as palavras podem ter sobre as pessoas. Um exemplo é a retórica hipnótica de St. John, que leva Jane a questionar os próprios desejos e motivações perante a vida. Apesar de ela não ter o menor interesse de se envolver com ele, não nega a força que suas palavras têm sobre a determinação dela. O mesmo acontece com a impressão que a personagem causa no Sr. Rochester. Apesar de sua origem simplória, ela o conquista através das palavras diretas e sinceras, que a destacam das demais companhias do seu patrão.
Outro aspecto que também aparece bem forte na história é a influência da religião e das leis morais nas ações dos personagens. Muitas vezes estes abrem mão da sua felicidade em prol da iluminação e do que é determinado como “certo” pela sociedade – e, apesar de sofrerem, reconhecem que não poderiam agir de outra forma. Isso pode até gerar uma certa “irritação” por parte de um leitor que tem como base as regras e as convenções “modernas”, mas até que ponto ainda não agimos de acordo com leis pré-estabelecidas?
Mas, como não podia deixar de ser em um livro essencialmente romântico, a tragédia não está de fora – porém podemos afirmar que ela é um pouco menor do que na obra da irmã da autora (ainda bem!). As intempéries se fazem presentes em mais de um momento da narrativa e fazem com que todos os personagens amadureçam na marra. (Vem cá, Rochester, me dá um abraço!)
Como “veredicto”, atesto que Jane Eyre acabou conquistando minha simpatia e me ganhou como leitora. Agora estou morrendo de vontade de conferir suas adaptações cinematográficas e poder viver mais um pouquinho nessa história.
*número meramente ilustrativo
Ficha Técnica:
Título: Jane Eyre
Autor: Charlotte Brontë
Editora: Bestbolso
Páginas: 528
País: Inglaterra
Avaliação: 5/5 estrelas