Entre Páginas – A moça do vestido azul

Post do arquivo do Café com Blá Blá Blá*

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Em 2018 nós perdemos todos os posts antigos e, aos poucos, estamos subindo o conteúdo antigo para que todos tenham acesso.

 

Lá estava eu, matando tempo em uma livraria, percorrendo corredores e mais corredores de estantes, até que… Um exemplar escondido chamou a minha atenção. Não pela capa, nem pelo título e muito menos pela autora, que eu ainda não conhecia, mas sim, por uma pequena frase contida no pé da capa: “Um romance sobre a vida e o casamento de Charles Dickes”. Um romance sobre Dickens? Não tive como devolver A Moça do Vestido Azul, da autora Gaynor Arnold, para a prateleira!

Não. Esta não é uma biografia. Ao longo das páginas de A Moça do Vestido Azul não encontraremos depoimentos de amigos do Charles Dickens, e nem uma reprodução minuciosa de sua vida, mas sim, um romance delicioso que tem como base a vida do autor.

A “licença poética” de Gaynor Arnold já se faz valer logo no começo da obra, uma vez que nem mesmo os nomes utilizados são os verídicos. Aliás, acredito que, se não houvesse aquela frase na capa, já destacada no início deste post, muita gente nem saberia que o livro é relacionado com Dickens. Quer dizer… Pelo menos não aqueles que nunca leram nada do autor inglês. Agora, para quem conhece a obra dele, as referências ficam claras, seja na sua própria história, ou nos contos que o Sr. Gibson escreve furiosamente.

Mas… Acredito que estou me antecipando. Vamos por partes:

O livro como romance

A história é narrada por Dorothea Gibson, uma senhora inglesa que passa os dias enfurnada no seu pequeno apartamento. Porém, este não é um dia qualquer. Seu querido marido (ou melhor, ex – sim, imaginem o choque no começo do século XIX!) acaba de ser enterrado em um cortejo acompanhado de perto por toda Londres. Afinal, não é todo dia que um dos maiores escritores do país deixa este mundo…!

Alfred Gibson (o pseudônimo de Charles Dickens nesta narrativa) estava no auge de sua carreira. Seus livros e contos eram devorados por todos os ingleses – e pelos americanos, e franceses…  – e suas peças eram encenadas no mundo todo. Mesmo com a sua idade avançada, ele insistia em comparecer a leituras e debates sobre a sua obra – a sua verdadeira paixão.

Enquanto Dorothea (ou Dodô, como é carinhosamente chamada) tem que lidar com o pesar pela morte do seu amado e com os dilemas familiares (são muitos filhos!), ela relembra sua história com Alfred. Isso torna a narrativa não-linear, mas de uma forma bastante delicada (nada de flashbacks imensos ou divisões bruscas de tempo). Passamos a olhar então, através dos seus olhos, para um rapaz alegre, vigoroso e inteligente, que se apaixona por uma bela moça de vestido azul.

De novo temos a subjetividade de um narrador em primeira pessoa. Mas, por incrível que pareça, apesar de a voz condutora ser a da Dorothea, quem se sobressai mesmo como protagonista é Alfred. Talvez seja pela forma com que ela olha para ele, sempre com uma adoração cega e submissa, ou pela personalidade forte dele em oposição à fraqueza da dela.

É curioso como ele sempre acaba fazendo com que todos acatem a sua vontade (como Kitty enfatizaria um milhão de vezes ao longo do livro), mesmo nos momentos mais peculiares. É por isso que acredito que Dorothea só passa a viver de verdade depois que ele morre. Parece que tudo o que a personagem não evoluiu durante os seus anos de casamento, ela evolui depois desse episódio.

Um fator curioso na obra é o papel do ciúme. Por causa dele serão desencadeados acontecimentos importantes, com desdobramentos desastrosos. Seja o de Dorothea por Alfred, ou dele por seus escritos, ou de todas as mulheres por Dodô e desta por todas as outras: o ciúme está presente em todos os momentos.

Outro personagem importantíssimo na obra é a própria escrita, a paixão com que Alfred se dedicava a ela, capaz de superar o que ele sente por todas as outras pessoas. E a sua fixação com os prazos, com o dinheiro, com os gastos – reflexo da sua própria vida (e da de Dickens, é claro). Se o autor inglês era assim mesmo? Não posso afirmar exatamente, mas depois que terminei este livro fui correndo pesquisar sobre sua vida e, pelo que parece, Gaynor Arnold não fugiu muito da verdade…

O livro como “fatos reais”

Logo no final da obra, Gaynor nos deixa um posfácio onde explica sobre suas pesquisas e motivações para escrever o livro. De acordo com ela, A Moça do Vestido Azul foi baseado em cartas trocadas ente Charles e Catherine Dickens (a Dorothea, na obra) e que esta última teria cedido sua correspondência para o museu depois da morte do marido, com o intuito de que todos soubessem que “ele a amou um dia”.

É curioso como acompanhamos, a cada página, a desconstrução de um mito. Me lembro de, durante a leitura, pensar: “poxa, ele não parece ser um homem tão legal!”. E, por outro lado: “mas ela também não tinha personalidade nenhuma!”. Sim, eu sei que naquela época não era típico as mulheres terem voz, e isso aponta ainda mais a discrepância entre o passado e o presente. Para nós, hoje, é impensável uma mulher que acata todas as excentricidades de seu marido como Dodô/Catherine fazia (com a exceção de alguns países da Ásia e do Oriente Médio).

Sobre Dickens, algo que fica bem evidente é o quanto de seus personagens é ele e o quanto dele são os seus personagens. Tanto que, ao terminar este livro, a vontade que dá é a de sair correndo e ler a obra completa dele (eu já andei trocando alguns de seus livros e mal posso esperar para dar continuidade ao meu “surto dickeniano”). Portanto, se você gosta de boa literatura, fica a indicação!

Ficha Técnica:

Título: A moça do vestido azul

Autor: Gaynor Arnold

Editora: Record

Páginas: 415

País: País de Gales

Avaliação: 4/5 estrelas

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