Entre páginas – O dinheiro de minha senhora

“(…) todos nós somos responsáveis, neste mundo perverso, por sermos vítimas das aparências.”

A literatura vitoriana é, sem dúvida, uma das minhas preferidas! Quem acompanha as postagens aqui do blog sabe que eu tendo a ser uma leitora aventureira, que navego por diversas águas, mas os clássicos ingleses são um porto no qual eu sempre procuro atracar por um período de tempo ao ano – mesmo que este seja breve.

Apesar de não ter conseguido me dedicar direito ao #Victober esse ano (um evento literário promovido por diversos leitores na gringa e no Brasil, dedicado a essa literatura), dei um jeitinho de encaixar ao menos a leitura de um livro (ou novela?) de um dos meus autores preferidos do período: Wilkie Collins!

Se você já deu uma conferida nos meus comentários sobre The Woman in White ou A Dama e a Lei, já sabe que Collins é um mestre do mistério, das falsas aparências e das manipulações e, em O dinheiro de minha senhora, essas características também se fazem presente.

O enredo do livro é bem simples: Lady Lydiard é uma senhora muito distinta que acolheu sob sua asa uma jovem órfã, com o intuito de ajudar na sua formação e contar com a sua companhia e préstimos. Com o passar do tempo, a senhora desenvolve um relacionamento quase que maternal com a menina e a tem em sua mais alta conta – reforçado pelo fato de que Tommie, o cachorrinho da Lady, é simplesmente apaixonado por Isabel (e nós bem sabemos que os doguinhos dificilmente se enganam sobre o caráter de alguém).

Contudo, o desaparecimento inesperado de uma nota de 500 libras coloca Isabel como a principal suspeita de roubo e tanto ela, quanto seus amigos mais próximos, farão de tudo para provar a sua inocência.

Personagens inusitados, dramas românticos e suspense: O dinheiro de minha senhora reúne em suas páginas os elementos de um bom “novelão”, que fisga o leitor até a última página. Porém, apesar de o enredo em si ter o seu apelo, para mim, o que mais chama a atenção neste livro é a pena afiadíssima de Collins, principalmente no que tange a caracterização de seus personagens. Neste romance, o autor trabalha o tempo todo com o jogo das aparências e com as ambiguidades não só externas, mas internas de seu elenco, e revela algumas hipocrisias da sociedade da época.

Faço questão de destacar algumas de suas introduções de personagens, para que vocês possam visualizar o que estou dizendo:

Lady Lydiard: “Moralmente, assim como fisicamente, deve-se dizer que o lado interno de Lady Lydiard era parecido com seu lado externo, às vezes de mau gosto, mas o tecido era bom. Algumas vezes pode-se dizer que as anomalias de seu vestido combinavam com as anomalias de seu caráter.”

Miss Pink: “A pena do presente escritor retrata em desespero por meio de uma série de negativas. Ela não era jovem, não era velha; ela não era alta nem baixa, nem robusta nem magra; ninguém poderia chamar seus traços de atraentes, e ninguém poderia chamá-los de feios; não havia nada em sua voz, expressão, maneira ou vestido que diferisse em qualquer grau apreciável da voz, expressão, maneira e vestido de quinhentas mil outras mulheres de sua idade e posição no mundo.”

Mrs. Drumblade: “É dizer muito, mas não é dizer muito, descrever Mrs. Drumblade como a mulher mais travessa de sua idade em toda a Inglaterra. O escândalo era o sopro de sua vida; para colocar as pessoas em posições falsas, para divulgar segredos e destruir pessoas, para minar amizades e agravar inimizades, essas foram as fontes de diversão das quais tal mulher perigosa extraía o fundo inesgotável de bons espíritos que a tornaram uma luz brilhante na esfera social. Ela foi uma das pecadoras privilegiadas da sociedade moderna.”

(Não sei vocês, mas eu achei essas caracterizações divertidíssimas e muito representativas, com elementos quase “dickensianos”…).

A minha única ressalva sobre a obra é a previsibilidade de seu enredo. Talvez por ser mais breve do que os romances mais consagrados de Collins, senti que o autor não conseguiu criar aqui um suspense realmente surpreendente, que nos levasse de fato a duvidar de tudo e todos. Logo no início do livro, quando temos a inserção do roubo, já havia conseguido identificar o culpado e sua revelação no final foi apenas uma constatação do que eu já esperava. Mas, ainda assim, considero esta uma leitura refrescante e agradável e que vale a pena ser conferida – principalmente para quem já admira a escrita do autor e quer ler mais obras dele.

 

Ficha Técnica:

Título: O dinheiro de minha senhora

Autor: Wilkie Collins

Editora: Pedrazul

Páginas: 144

País: Inglaterra

Avaliação: 3.5/5 estrelas

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