Entre páginas – Inverno do mundo

“O fascismo é uma mentira, mas uma mentira sedutora.”

O século XX foi um verdadeiro divisor de águas na história mundial. Marcado pelas duas maiores guerras do mundo, esse período também testemunhou mudanças sociais, tecnológicas e a reconfiguração das potências imperialistas.

Esse século tão rico, doloroso (e tumultuado) é o pano de fundo da trilogia impressionante de Ken Follett, intitulada de O Século. E é por suas páginas que continuamos a navegar em mais uma parada da leitura conjunta organizada pelo Carlos, do canal Livros e E-books.

Em Queda de gigantes fomos apresentados a cinco famílias, localizadas em cinco países diferentes, que serviram de testemunha para os principais entreveiros do início do século: a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa.

Já em Inverno do mundo encontramos as suas segundas gerações em um momento de extrema instabilidade na Europa, com o alastramento do nazifascismo em países como Alemanha, Itália e Espanha e com a iminência de uma nova Guerra Mundial.

“Como as pessoas podem ser tão más umas com as outras?”

Este segundo volume se inicia justamente com o núcleo dos Von Urich, em Berlim, onde podemos acompanhar o desespero e a impotência dos personagens frente ao domínio cada vez maior de Adolf Hitler. Afiliados ao partido socialista, a família tenta, a todo custo, resistir às mudanças (cada vez mais assustadoras) instauradas em seu país e resolvem não só permanecer na Alemanha como lutar ativamente contra o domínio nazista.

Enquanto isso, acompanhamos os impactos que essa ascensão tem nos outros países, como Inglaterra e Estados Unidos, e a tentativa de, mais uma vez, impedirem um confronto mundial. Por meio do olhar do jovem Lloyd Williams, acompanhamos a resistência da população inglesa contra os radicais fascistas de seu país, coordenados pelo extremista Oswald Mosley (não tenho como não lembrar da interpretação brilhante de Mosley feita por Sam Claflin em Peaky Blinders!), e a sua iniciativa de lutar na Espanha contra a facção de Franco, em uma tentativa de refrear o domínio fascista na Europa.

Já nos Estados Unidos, temos mais uma geração de Dewars envolvida nos bastidores da Casa Branca, comandada na época por Franklin Delano Roosevelt. No mesmo país, também acompanhamos os desdobramentos de um ramo da família de Lev Peshkov, cujo filho Greg também terá um papel de testemunha fundamental em um dos principais eventos da guerra.

“Nós avançamos em centímetros, não em quilômetros. Política é isso.”

Por fim seguimos também o outro braço da família Peshkov localizado na Rússia. Depois de participar ativamente da Revolução Russa, Grigori é um homem importante no governo de Stálin e seu filho, Volodya, se torna parte da equipe da Inteligência do Exército Vermelho. Uma de suas principais funções é o recrutamento e manutenção de espiões em território alemão e será uma peça-chave da estratégia soviética.

Assim como ocorre no primeiro volume da série, em Inverno do mundo acompanhamos desde o cenário entre guerras e o afloramento de um novo conflito até a guerra em si. Aqui, mais uma vez Follett se mostra como um narrador extremamente habilidoso ao mesclar de forma bastante verossímil os seus personagens fictícios com os reais e a forma com a qual ele se utiliza desse elenco para imergir o leitor nos acontecimentos é realmente impressionante. E, para mim, essa é a característica que torna essa trilogia tão rica: o autor não “narra” simplesmente os acontecimentos históricos, como se fossem apenas o cenário de um enredo fictício. Ele insere seus personagens nesses eventos e os transforma em peças participativas, o que faz com que nós, leitores, realmente tenhamos a sensação de estar vivendo tudo aquilo na pele. E mais: acabamos nos envolvendo tanto com esses personagens que em alguns momentos temos vontade de parar a leitura para não ter que testemunhar o seu sofrimento, uma vez que já sabemos o que acontecerá no local onde eles se localizam.

“Ocorreu-lhe que aquelas pessoas estavam testemunhando a história ser escrita e que ele fazia parte dessa história.”

Por falar em sofrimento… Preciso dizer que, para mim, este foi um livro muito mais “difícil” de ler do que Queda de gigantes, pelo fato de seus acontecimentos serem os mais cruéis. Follett não nos poupa: ele nos insere em meio a bombardeios e cenas de violência e nos revela detalhes pouco conhecidos da crueldade praticada pelos nazistas. Por vezes suas descrições são bastante vívidas e impressionantes – ao ponto de eu até mesmo sonhar com algumas delas.

Devo destacar também a sua maestria nas cenas de ação! Ele realmente faz o leitor sentir a emoção do momento, principalmente em cenas como o bombardeio de Pearl Harbor e em momentos de tensão onde um simples passo mal dado pode colocar tudo a perder.

Contudo, apesar de ter gostado bastante dessa leitura e de acreditar que o autor conseguiu manter o ótimo nível do livro anterior, tiveram alguns pontos que me fizeram gostar um pouquinho menos de Inverno do mundo do que de Queda de gigantes. O principal deles foi o recorte que o autor fez da própria História: senti falta de termos uma visão mais pulverizada do conflito mundial, especialmente no que tange ao Japão. Vemos pouquíssimo sobre o envolvimento do país na guerra, ficando mais uma vez restritos apenas ao conflito de Pearl Harbor, e pouco se fala sobre os impactos diretos na população e no pós-guerra. Isso envolve também a questão da bomba atômica – por meio dos personagens do núcleo americano nós acompanhamos os bastidores da construção dos artefatos, mas a queda das bombas em Hiroshima e Nagasaki são apenas mencionados por cima e não apresentam as consequências nem para o Japão e nem na opinião pública do resto do mundo, que sabemos que não foi branda.

Outro ponto que também foi apenas mencionado em uma linha da narrativa foi a existência dos campos de extermínio nazistas. Sim, sabemos que esse assunto já é bastante abordado em diversas produções literárias e cinematográficas, mas achei estranho o autor ter explorado tanto certos acontecimentos e quase não ter tocado no assunto – principalmente para revelar o impacto disso na população alemã.

Apesar disso, sigo animada para seguir na leitura do último volume da série, Eternidade por um fio, que terá a missão (quase impossível) de retratar toda a segunda metade do século XX, desde os impactos do Muro de Berlim até o surgimento do rock and roll, passando pela Guerra Fria e pelo desenvolvimento tecnológico. Mal posso esperar para iniciar essa leitura!

 

Ficha Técnica:

Título: Inverno no mundo

Autor: Ken Follett

Editora: Arqueiro

Páginas: 880

País: País de Gales

Avaliação: 4/5 estrelas

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