Neste começo de ano, Cidade Invisível caiu no gosto dos apreciadores de séries, ficando logo entre as mais assistidas do Netflix. Passado o “buzz” que a série gerou, me aventurei a assisti-la sem grandes pretensões em um daqueles momentos em que ficamos horas procurando algo que nos atraia. Comecei a a assistir com o coração aberto e sem muitas expectativas. Não porque a série é brasileira – eu sei que no Brasil a produção de séries e filmes é de alta qualidade –, mas sim porque a temática não é uma das que mais me atraem na hora de escolher uma produção.
Aliás, dizer que a série é brasileira não é nenhum demérito – mesmo quando comparamos algumas produções americanas, Cidade Invisível não deixa nada a desejar. A série, que foi criada por Carlos Saldanha, diretor das animações A era do gelo 2, Rio, entre outras, contou também com a idealização do casal Carolina Munhoz e Raphael Draccon, conhecidos autores de livros de fantasias como O Inverno das Fadas e Dragões de Éter, respectivamente.
Nesta série, acompanhamos a vida de Eric (vivido por Marco Pigossi), um policial ambiental que vê sua esposa morrer numa reserva ambiental durante um incêndio, considerado acidente. Sem conseguir superar a morte da mulher, e com a certeza de que foi um assassinato premeditado por causa de uma disputa de terras, ele vai em busca de respostas. O policial vê surgir a oportunidade de poder investigar o “acidente” quando um boto rosa aparece morto na praia – e à noite se transforma em um homem, também morto. A partir desse momento, pessoas estranhas fazem de tudo para recuperar o corpo do boto e para entender qual o interesse de Eric nessa história toda.
Essa é a deixa para nos apresentar logo no primeiro episódio o enredo principal da série, introduzindo pouco a pouco as lendas que alguns de nós tivemos a sorte de aprender na infância e que estão firmemente enraizadas na nossa cultura, de norte ao sul do país.
Parece até bobo dizer que no enredo inicialmente apresentado, essas criaturas estão ali para salvar a floresta, mas a forma como isso é colocado na série até que é bem interessante. Temos um Saci moleque de rua que só apronta, a Iara como uma belíssima cantora da noite e a famosa Cuca, sendo bem interpretada pela atriz Alessandra Negrini.
Eu gostei muito da série, pois ao mesmo tempo insere lendas que só vimos na infância (se você foi sortudo de aprender e entender essas lendas) num contexto adulto, tem um clima constante de suspense. Isso dá um ar mais maduro e refinado à série.
Lógico que essa é uma produção em busca de público, mas é interessante vermos como temos elementos de sobra em nossa cultura para serem trabalhados em filmes e séries. Ter uma produção assim em um serviço de alcance internacional valoriza muito a cultura brasileira, ao mesmo tempo em que traz para o grande público parte importante do nosso folclore – num tempo em que se valorizam os seres “importados” como vampiros, lobisomens e bruxas.
A tônica da série, sem dúvida alguma, é sombria e misteriosa, com uma fotografia escura. Brinca ao mostrar as partes mais obscuras do Rio de Janeiro, como os Arcos da Lapa, as comunidades que ocupam cortiços, ou até o bar exótico onde Iara encanta o público à noite. Não somos apresentados de uma vez à história de cada personagem: conforme eles vão aparecendo na série, surge a trajetória de cada um dos seres místicos contando um pouco de seu passado, muitas vezes sofredor em meio à história de nosso país. Aos poucos, várias pistas são jogadas para o público, que questiona as motivações por trás de cada personagem. Assim, aquele enredo inicial que poderia ser simplesmente “precisamos salvar a floresta”, sai um pouco de cena para aprofundar em cada um dos personagens e apresentar suas reais motivações, deixando os espectadores mais intrigados para descobrir o que a série irá entregar no final.
Ao fim de cada episódio, ficamos sempre com um gostinho de quero mais, e é fácil maratonar os poucos 7 capítulos da série. Uma pena é o final em aberto, que provavelmente deixou todos nós curiosos para a próxima temporada, já confirmada.